8 de abril de 2011

Morar no centro: discurso e prática

A moradia de interesse social no centro é tema conduzido com total prioridade pela cidade de São Paulo, que desenvolve o maior programa de reforma de prédios para fins habitacionais –Renova Centro—, sem precedentes na história do país, pela escala e compromissos assumidos. Há décadas, o assunto desperta debates acalorados e acabou cristalizando análises fantasiosas. Logo de início, os técnicos da prefeitura perceberam que uma coisa é o discurso político contundente, a outra, bem diferente, é a prática.

O primeiro mito construído sobre o assunto foi o do centro-fantasma. Pela primeira vez, no Censo de 2000, o IBGE tentou medir o número de imóveis vagos. O indicador –praticamente experimental– tornou-se polêmico, pois apontou números elevados. Segundo a pesquisa, haveria 402 mil imóveis vazios em todo o município, equivalente a 12% do total.

O primeiro conceito ignorado nas discussões foi o de quanto deveria ser a taxa de vacância de equilíbrio, de 8% dos imóveis, referente ao período entre uma transação e outra. Dados da mesma época (1999), que apresentavam a taxa de vacância de edifícios comerciais da cidade, apontavam que o centro registrava 19%, a mesma da Avenida Faria Lima, pouco superior à do Itaim (16%) ou da Avenida Paulista (13%).

Outros estudos realizados pela Sehab, em 2003, e pelo Metrô, em 2010, indicaram percentual de imóveis vagos de apenas 9% e 7%, respectivamente, nos distritos da Sé e da República. Praticamente nada além da vacância de equilíbrio. Semelhante indicador (6%) é encontrado em Nova York, uma das cidades mais desejadas no mundo para se viver.
A Cohab contratou, em 2009, a Fupam (Fundação para Pesquisa em Arquitetura e Ambiente, da USP) para identificar imóveis desocupados na região central aptos para fins habitacionais. O trabalho partiu da verificação de todos os levantamentos disponíveis já elaborados sobre o tema. Das diferentes listas consultadas e das visitas realizadas em campo, excluíram-se os de pequeno porte, construções térreas, em ruínas, invadidas ou incompatíveis com o uso proposto.

Converter edifícios desocupados em habitação é desafio realmente complexo. Os que já foram reformados em São Paulo ensinam que a obra exige, inicialmente, sofisticada avaliação da estrutura existente. Todas as instalações originais (hidráulica e elétrica) têm que ser removidas e muitas vezes é preciso encontrar outros caminhos para percorrer.
As regras para evacuação de edifícios em caso de incêndio mudaram. Novas escadas, com portas corta-fogo, e novas aberturas de janelas que impeçam a propagação de incêndios terão de ser feitas. Abrir espaço para escadas em prédios que ocupam praticamente todo o terreno é muito difícil. Parte dos imóveis comerciais, geminados e encaixados entre vizinhos, não recebem insolação suficiente. A legislação não permite fazer residências que não recebam sol. Para completar, a administração da obra tem de lidar com a restrição de horário para os caminhões de entrega e retirada de material e com a impossibilidade de estacionamento.

Construções muito pequenas não permitem que os custos dos laudos técnicos, dos projetos e da obra sejam diluídos no custo das unidades sem exceder os limites. Assim, descartando os que não se adequavam, foram apontados 53, que, neste momento, estão todos em processo de desapropriação. Mesmo reconhecendo todos esses obstáculos e dificuldades, a prefeitura aceitou o desafio e planeja entregar, em 2012, as primeiras unidades, das mais de 2.500 previstas.

O Renova Centro não é o único instrumento para lidar com o esvaziamento da região. A implantação do IPTU Progressivo, que começa a vigorar em 2011, constitui mais uma ação. Outra iniciativa são as operações urbanas Lapa/Brás e Mooca/Vila Carioca, cujos termos de referência estão em consulta pública, e que propõem, justamente, trazer moradores para a região de São Paulo mais bem servida de infraestrutura. Ambas também prevêem produção de habitação de interesse social (HIS). Da mesma forma, a concessão urbanística da Nova Luz também prevê a construção de unidades de HIS.

Em tempo: na verdade, agora não são 53 edifícios os incluídos no Renova Centro, e sim 52. A ocupação de um deles, na Avenida São João, obrigou a Prefeitura a paralisar o processo de desapropriação amigável, pois a legislação estabelece que os imóveis devam estar vazios para serem desapropriados.

(Ricardo Pereira Leite é engenheiro formado pela Poli-USP, com especialização em finanças pela FGV e mestrado em arquitetura e urbanismo pela FAU-USP e secretário de Habitação de São Paulo.
Fábio Mariz Gonçalves é arquiteto e urbanista formado pela FAU-USP, com doutorado em estruturas ambientais urbanas pela mesma instituição em que leciona desde 1989.)

FONTE: http://www.cadernosp.com.br/opiniao/2384/morar-no-centro-discurso-e-pratica/

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