1 de março de 2011

Arquitetura Fast-Food

Em seu influente livro Economia Subterrânea, de 1986, o economista peruano Hernando de Soto descreve o potencial financeiro do mercado imobiliário de baixíssima renda. Ele defende que os governos dos países latino-americanos dêem títulos de propriedade a moradores de favelas ou outras residências precárias. Assim, eles poderiam tomar empréstimos usando imóveis como garantia e sairiam da informalidade mais rapidamente. Países que adotaram essa receita, como o México e o Peru, tiveram resultados razoavelmente satisfatórios. No Chile e na China, a solução para o déficit habitacional vem do mercado: o crescimento vigoroso do PIB tem permitido aos mais pobres comprar imóveis novos. No Brasil, último grande país emergente ainda sem solução para esse entrave, estima-se que 7,9 milhões de famílias não tenham casa própria – a maioria das quais sem poupança, na informalidade e com fluxo irregular de renda.

As iniciativas do governo brasileiro são ainda tímidas, embora as promessas sejam promissoras. Um empresário mineiro vislumbrou uma maneira inovadora de lucrar nesse ambiente com grande potencial e pouca renda: construir moradias menores, muito mais baratas, e financiá-las diretamente ao público de baixa renda, com boletos bancários mensais, como na venda de uma geladeira ou de um sofá. Deu certo: aos 32 anos, Henrique Alves Pinto já construiu 25 000 casas e apartamentos para compradores de baixa renda. O bom desempenho levou o empresário a anunciar a abertura do capital da construtora para 2007. Nos últimos dois anos, as vendas da empresa praticamente dobraram. A Tenda fechou 2006 com 6 000 unidades vendidas e cerca de 3 000 construídas. No fim do ano passado, a empresa deixou um estande aberto no feirão das Casas Bahia, em São Paulo. Vendeu cerca de 500 apartamentos.

O público da construtora é formado por taxistas, pedreiros e empregadas domésticas. No geral, são jovens casais que querem comprar a primeira casa. Obviamente, o grau de exigência desses compradores é menor. "Se as pessoas compram televisão das Casas Bahia e esfihas do Habib's, por que não comprariam casas e apartamentos da Tenda ?", indaga Alves Pinto. Ele criou unidades de dois dormitórios com área em torno de 45 metros quadrados que chegam ao consumidor final por, em média, 60 000 reais. Segundo a Empresa Brasileira de Estudos de Patrimônio (Embraesp), o preço médio de um imóvel com dois dormitórios e 54 metros quadrados na região metropolitana de São Paulo é de 120 000 reais. O negócio, portanto, é atraente também para o comprador.


Alves Pinto teve a rede de fast-food Habib's como fonte de inspiração. Ele recorre a uma comparação. "A esfiha popular, que vende bastante, custa 39 centavos, mas tem menos carne que uma de 2 reais. Ela é um sucesso. O nosso objetivo é semelhante", disse o empresário. Como fazer para construir uma casa assim, com menos carne? A Tenda constrói imóveis padronizados, feitos em linha de produção e com a utilização do material mais barato encontrado no mercado. Os prédios não têm elevador, e as casas têm plantas simplificadas, sem corredores nem recortes. "Não temos o direito de inventar. Parede curva em banheiro, só em Paris. Comprador de baixa renda não se importa com isso. As nossas casas são assim mesmo, e todos sabem de antemão. Elas não têm corredor. O dono já sabe que, se tiver visita na sala, não pode sair do banheiro de toalha amarrada na cintura. Antes da Tenda, as casas de baixa renda aqui eram feitas como se os compradores fossem suíços."

A Tenda inovou na metodologia de construção. As casas são construídas em grupos pequenos, de quatro em quatro ou de dez em dez, por exemplo. Assim, aquelas que já estão prontas e que foram vendidas financiam as que estão sendo construídas. Um empreendimento de dezesseis casas ficou pronto em quatro meses. A construtora terceiriza a obra, que fica a cargo de dez prestadoras de serviços, chamadas de franqueadas, e prefere construir empreendimentos horizontais – principalmente nas periferias dos grandes centros urbanos, onde os terrenos são mais baratos. "Prédios verticais são coisa do passado", diz o dono da Tenda.

Outra razão do sucesso da empresa é sua política agressiva de vendas. A Tenda não terceiriza. Ela tem um exército formado por centenas de "consultores" que saem em busca de clientes pelo centro de São Paulo, Rio, Belo Horizonte e, neste ano, pelo de Goiânia. Inspirada no estilo Amway, a Tenda premia com descontos e até viagens os clientes que indicam outros compradores. O consumidor, aliás, decide se quer um financiamento do governo ou se deseja acertar a compra com a construtora. O presidente da empresa diz que 80% dos contratos são feitos com a própria Tenda. "O governo não deveria dar casas. As pessoas têm de pagar para valorizar o patrimônio." Além disso, o valor baixo das prestações da construtora faz com que caibam (ao menos inicialmente) no orçamento do consumidor – cobram-se parcelas a partir de 149 reais. Não há necessidade de comprovação de renda nem de emprego formal. Os vendedores, treinados pela empresa, usam critérios próprios de análise de renda. Em entrevistas com o cliente, fazem uma série de perguntas sobre os objetivos da compra e sobre quem vai morar no imóvel. A partir daí, a tendência é fechar o negócio. A empresa aceita até carros e motos como entrada. A inadimplência é pequena. Enquanto o crédito imobiliário em geral tem 6,3% de calote, na Tenda este não passa de cerca de 3%, de acordo com os números da própria empresa.

Até agora o desempenho da Tenda tem sido notável. Mas quais são os limites e riscos do negócio? O primeiro deles é de ordem financeira. A Tenda oferece financiamentos de até dez anos com juros anuais de 12% mais a variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC). A taxa está bem acima das cobradas por bancos. A Caixa Econômica Federal, por exemplo, tem linhas para a baixa renda com juros de 6% ao ano, mas o trâmite burocrático e as exigências de renda são inúmeros. Por serem corrigidas, as prestações cobradas pela Tenda podem dobrar em menos de cinco anos. Alves Pinto, portanto, estaria sentado numa bomba-relógio – nada garante que os rendimentos de seus clientes crescerão no mesmo ritmo. Isso sem contar que vários bancos já oferecem melhores alternativas de financiamento imobiliário, com prestações fixas e até decrescentes. Alves Pinto reconhece que seus juros podem ser um problema. Mas acha que sempre poderá renegociar as dívidas em caso de dificuldades. Em última instância, é possível reaver o imóvel. Os planos de expansão da Tenda também levantam desconfiança. Até o fim do ano, Alves Pinto pretende construir 6 000 unidades em todo o país. "Não é impossível, mas custo a crer", diz o executivo da Embraesp Luiz Paulo Pompéia. A ver.

Alves Pinto se espelha em modelos ecléticos: de Jack Welch, ex-CEO da General Electric, ao empresário João Doria Jr., passando pelo treinador de vôlei Bernardinho. Quando ele herdou a empresa do pai, há uma década, a Tenda era especializada no mercado de alto padrão comercial e residencial em Belo Horizonte. Naquele tempo, a companhia tentava sobreviver em um ambiente de negócios modorrento. Então com 22 anos, o jovem empresário decidiu buscar um nicho que lhe proporcionasse maiores taxas de crescimento com margens menores. Essa lógica não é nova. Ela permeou livros de sucesso como A Riqueza na Base da Pirâmide – Como Erradicar a Pobreza com o Lucro, do indiano C.K. Prahalad, professor da Universidade de Michigan. Alves Pinto tem dois hobbies. É fanático por cursos de auto-ajuda empresarial e por suas festas de Ano-Novo em uma ilha em Angra dos Reis. A última causou polêmica entre celebridades e colunáveis convidados. Estava tão lotada que muita gente ficou para fora. Foi o caso do ator Rodrigo Santoro e da empresária Lucília Diniz. Há dois anos, Alves Pinto esteve em Boston com um grupo seleto de empresários num curso ministrado por Jack Welch. Ao falar sobre seu trabalho, o empresário brasileiro disse: "Quero ser a melhor construtora do país". Welch o corrigiu: "Isso é besteira.
Você tem de ser o maior".

Artigo original: http://veja.abril.com.br/170107/p_050.html

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